“As mulheres de hoje estão destronando o mito da feminilidade; começam a afirmar concretamente sua independência; mas não é sem dificuldade que conseguem viver integralmente sua condição de ser humano.” – Simone de Beauvoir, O Segundo Sexo, 1949. 

Para começar este texto, queria que você pensasse em quantas propagandas com mulheres de corpos, cores e cabelos diversos você já viu na sua vida. Hoje, pode ser que muitas. Mas há uns 5, 10 anos era difícil encontrar mulheres “fora do padrão” em publicidades, não é mesmo?   

Apesar de, em passos lentos, muitas mudanças terem acontecido na sociedade de uns anos para cá, as coisas na publicidade ainda não estão muito diferentes. Segundo dados da ONU Mulheres, em uma pesquisa feita em 2020, pelo estudo TODXS, o padrão de beleza feminino idealizado no Brasil ainda é uma mulher branca, magra, com curvas, cabelos lisos e castanhos. Esse modelo ainda aparece em 63% dentre as protagonistas de TV e de Facebook.  

Um pouco sobre padrão estético feminino na cultura popular 

Existe época mais marcada pela cultura pop do que os Anos 80? Nessa década, o auge do momento era o corpo magérrimo, e o padrão de beleza perfeito era a rainha do pop, Madonna. A “liberdade feminina” de falar sobre a sua sexualidade nas músicas, como em “Material Girl”, só poderia existir para mulheres como ela, aquelas com carinha de “boneca”.  

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Isso se a gente não voltar no tempo para falar do padrão estético das décadas de 50 e 60, que traziam a ideia de que uma mulher deveria ser sensual e, ainda, dona de casa. Esse é o padrão das conhecidas pin-up’s, referenciadas por artistas como Lana Del Rey ou a própria Katy Perry em seu primeiro álbum “One Of The Boys”. 

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Nas décadas de 90 e 2000, o modelo era ainda mais rigoroso e restrito. O padrão era acentuado principalmente na calça de cós baixo e, mais tarde, no piercing no umbigo. Britney Spears que o diga, era a princesinha do pop e aquela que tinha nas mãos o poder de “ditar as regras”.  

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A sociedade vem evoluindo, e esse modelo, hoje, ainda reafirmado, já é visto como irreal e tóxico. As mulheres foram se sentindo mais confortáveis para expor suas opiniões sobre o assunto beleza, e o movimento body positive começou a ganhar espaço nos anos 2010, onde alguns termos como “indústria da beleza” e “padrão estético” começaram a ser ainda mais criticados. As propagandas sempre foram um reflexo desse mercado pop, reforçando a ideia do que é ser uma mulher bela. E ainda parecem reafirmar constantemente, já que uma pesquisa feita pela consultoria 65|10 e pelo Instituto Patrícia Galvão, em 2019, apontou que 65% das mulheres não se sentem representadas na publicidade.  

E quando é pensado em mulheres mais maduras e idosas, a situação também não muda muito, já que 70% não se sente representada nas propagandas tradicionais, além de serem consideradas invisíveis. Mesmo com o fato de as pessoas acima de 50 anos movimentarem, no mundo, cerca de R$ 1,6 trilhão de reais por ano. 

Conceitos, que antes estavam presos apenas às universidades, ganharam a boca do povo. Grandes influências da cultura popular mundial passaram a defender uma estética mais positiva, mais verdadeira e de amor-próprio, com menos foco em uma idealização inalcançável.  

Tendo em vista que as mulheres representam 85% do poder de compra e movimentam uma massa de renda de R$ 1 trilhão de reais, não demorou muito para as marcas perceberem que isso havia apontado uma necessidade de transformação na forma como conversa com o seu público-alvo. 

Marcas populares que mudaram o seu jeito de fazer propaganda 

E com esse choque de realidade, algumas empresas começaram a se movimentar para transformar a comunicação da sua marca para fazer sentido na vida real. Principalmente aquelas em que o seu público-alvo é o feminino. As marcas, em sua maioria, ainda têm dificuldade em aderir essas mudanças, mas muitas já estão com esse objetivo.  

A conscientização é cada vez mais presente no dia a dia com discussões intensas nas redes sociais. Além do fato que, se alguma propaganda desagrada ou apresenta valores que não representam seu público ou tem estereótipos contra alguma diversidade, ela é exposta e colocada em xeque. Como exemplo, temos a Dove que, em 2017, fez uma propaganda considerada racista, em que uma mulher negra parece “se transformar” em uma mulher branca em um anúncio de sabonete líquido.  

O mais interessante é que alguns dizem que a primeira a atentar para essa mudança na sociedade foi a própria Dove, que lançou, no ano de 2004, a campanha pela Real Beleza. Em 2015, ela foi eleita a melhor propaganda do século XXI. A ideia era trazer a beleza real de mulheres para as telas. 

Esse movimento foi crescendo e trazendo uma ideia de mulheres reais.  

A Avon, outra grande marca popular de produtos de beleza, também trouxe esse despertar para as capas e catálogos das suas revistas. Mulheres negras, que raramente estampavam as capas, estão em maior evidência nos catálogos. Além disso, ela trouxe embaixadores famosos e influentes, como Karol Conká, Camilla de Lucas e Lucas Penteado. A marca colocou Marta, a brasileira e maior jogadora de futebol do mundo, na capa com maquiagens lindas e chamativas para a campanha “Olha de Novo, tá tudo diferente”.  

Outras grandes e influentes marcas brasileiras de cosméticos, como a Natura, também mudaram o formato das suas propagandas para mensagens mais body positive, trazendo a diversidade de corpos e cores com mais frequência. A Campanha “Querida Garota do Maiô Verde” é um movimento que resgata a essência das mulheres em se amarem por serem quem são. Um manifesto para ser quem se é. 

A marca Dailus, de maquiagens e cosméticos, também fez um reposicionamento importante. A nova avatar deles, a Dai, é uma mulher gorda! O mais legal de tudo é que ela venceu em uma votação popular. 

Victoria’s Secrects e as grandes marcas: o começo de uma nova era 

Victoria'S Secret GIF - Victoria Secret Girls Posing GIFs

Ao contrário das marcas populares, grifes geralmente mantêm um padrão exclusivo, um ideal de beleza ainda mais restrito. Channel e Dior são exemplos de empresas que pouco ou nada alteraram seus posicionamentos ou arquétipos desde o começo das suas existências. 

Já a Lancôme é um exemplo famoso de empresa de cosméticos que já teve algumas mudanças: trouxe mulheres pretas e diversas para suas propagandas, mas sem mudar muito o padrão corporal, como Zendaya, atriz e cantora, e Lupita Nyong’o, atriz de filmes famosos como “Nós” e “Pantera Negra”.  

Até agora, pouco ou nada havia mudado no mercado da “alta costura”, mas Rihanna balançou as bases trazendo a sua nova loja de roupas encabeçada pela diversidade. Savage X Fenty é uma marca de lingerie, criada pela cantora, que chegou para fazer concorrência com grandes grifes, trazendo a representatividade de corpos diversos e a transformação para o mundo da moda em geral. 

E, com essa pressão e necessidade de adaptação, este ano, finalmente, a marca Victoria’s Secrets,  conhecida por seus grandes desfiles de lingerie das tão conhecidas Angels e seus cosméticos de alta qualidade, anunciou uma mudança de reposicionamento alinhada aos ativistas body positives.  

Foi um choque para quem estava acostumado com a marca tão tradicional e responsável pela exaltação de um padrão de beleza que sexualizava, em todos os sentidos, a imagem feminina. Com o novo posicionamento, sete mulheres diversas farão parte de um comitê de diversidade. O grupo entrou no lugar das Angels e se chama VS Collective.  

Entre suas participantes, estão: Rapinoe, ativista LGBTQIA+ e campeã do mundo com a seleção dos Estados Unidos de futebol, a atriz indiana Priyanka Chopra e a modelo trans brasileira Valentina Sampaio. 

Seria esse um modelo de evolução positivo para que as outras marcas se inspirem? 

Já evoluiu, mas ainda tem muito a mudar 

Mulheres de diferentes corpos, cores e cabelos estão aparecendo mais em propagandas publicitárias e capas de revistas. Mas ainda tem muita propaganda de shakes milagrosos por aí, e o número de procedimentos estéticos só cresce a cada dia.  

Uma pesquisa de 2013, do Instituto Patrícia Galvão, revelou que 60% das pessoas consideram que as mulheres ficam frustradas quando não se veem nesse padrão. E essa porcentagem se reflete em outras estatísticas, como: o Brasil é líder mundial no ranking de cirurgias plásticas em jovens. Só em 10 anos, o número de operações aumentou 140% em jovens entre 13 e 18 anos de idade. 

E no universo das redes sociais, as influenciadoras digitais de alimentação e estilo de vida fazem muito sucesso, sendo elas grandes responsáveis por publis de shakes e remédios para emagrecer. E, infelizmente, as mulheres ainda são as que mais sofrem com transtornos alimentares, como a bulimia e anorexia. Segundo uma reportagem da Folha de São Paulo, a quarentena tornou ainda mais frequente a incidência desses transtornos.  

As redes sociais incentivam um modelo perfeito, tanto de estilo de vida quanto de aparência. No final do ano passado, a influenciadora feminista e body positive Polly Oliveira resolveu fazer fotos sensuais para a rede imitando os ensaios de outras influenciadoras-padrão. Como o algoritmo da rede reagiu às suas publicações? Ele barrou as fotos como conteúdo impróprio. Isso aconteceu simplesmente por seu corpo não ser o padrão que o site acha atraente para os seus usuários. Polly também teve a conta derrubada e, depois de muita pressão da mídia, conseguiu recuperá-la. 

É… ainda temos um longo caminho de mudanças. As grandes marcas já estão dando passos importantes, mas ainda é preciso mais e queremos mais. Só assim a diversidade será cada dia mais naturalizada e valorizada. E você, o que acha que ainda falta para a gente avançar nessa questão?