Quando você pensa em um ambiente violento, qual imagem vem à mente? Cenários de guerra? Ações severas da polícia nas ruas? Rebeliões no sistema carcerário? Para Marshall Rosenberg, o pai da Comunicação Não Violenta (CNV), o mundo corporativo é um dos ambientes mais violentos que existem. Isso por um só motivo: ali os ataques não são explícitos e, muitas vezes, são quase silenciosos. 

Marshall foi um grande intermediador e solucionador de conflitos, inclusive iniciou a implantação de programas de paz em áreas destruídas por guerras, como Nigéria, Oriente Médio, Sérvia, Croácia e outras. Além disso, apoiou pessoas na solução de conflitos familiares e corporativos. E a sua principal ferramenta foi a comunicação. 

As palavras têm um poder transformador! E Marshall sabia muito bem disso. 

O Google Trends indica um crescimento na busca pelo termo “Comunicação Não Violenta” desde 2005, mas com picos de procura em 2014 e 2019. Aqui no LinkedIn, o assunto tem sido recorrente na minha timeline, especialmente depois da implantação do home office por grandes companhias. 

Há um esforço de alguns profissionais em implantar a CNV em seus relacionamentos com gestores, equipes, clientes e fornecedores, mas a principal reflexão deste artigo é: e quando o outro não conhece, não entende e não aplica a Comunicação Não Violenta, o que fazer? 

O pai da CNV nos ensina que a girafa é o símbolo desse método de comunicação. Isso porque ela tem um pescoço longo, que permite uma boa visão do alto, e um grande coração — necessário para bombear o sangue por todo o longo corpo do animal. A referência se aplica bem à nossa necessidade de ter uma boa visão e de saber gerir bem as nossas emoções.

Listei aqui dicas práticas que funcionam comigo e que podem ajudar a “colocar as orelhas de girafa”, como proposto por Marshall.

1. ENCONTRE A NECESSIDADE REAL POR TRÁS DA FALA DO OUTRO

“Necessidade” é uma das palavras-chave no processo de aplicação da CNV. Quando focamos no que as pessoas realmente precisam, mesmo quando a forma de dizer delas não é a ideal, poupamos energia e exercemos a empatia.

Quando um colega, em uma situação de pico de estresse, diz para você: “Eu fiz a demanda toda sozinho. Como você é egoísta!”, por trás disso talvez ele queira o seu apoio e mais colaboração nas tarefas. 

E quando seu liderado diz: “É sério que tenho que te reportar tudo? Que saco!”, ele pode estar querendo mais autonomia e liberdade, certo? Então este precisa ser nosso foco: as necessidades do outro.

Claro! Não é fácil ouvir pessoas que usam um tom inadequado, e nem sempre precisamos aceitá-lo. Mas ouvir com foco nas necessidades muda a comunicação; pode nos conduzir a um novo patamar de conexão e trazer bons resultados. 

2. CRÍTICAS DESTRUTIVAS (AQUELAS USADAS COM OBJETIVO DE FERIR) TÊM LIGAÇÃO COM O OUTRO, NÃO COM VOCÊ

Como já dito aqui, você não precisa aceitar críticas que venham com um tom agressivo ou ofensivo. Na verdade, é importante combater esse problema quase diário nas relações de trabalho. 

Mas já me deparei com situações em que o outro se vestia com uma capa de agressividade e acusações sem fundamentos para cobrir a sua insegurança. Esse tipo de caso é até recorrente, infelizmente.

A maneira com que aquela fala te impacta é o nosso ponto alto aqui: você nem sempre é capaz de mudar o outro, ou melhor, você não é responsável pela mudança do outro. Absorva exatamente aquilo que faz sentido e é útil, e descarte a parte que não colabora com a sua evolução. 

Se a pessoa não ultrapassou o limite do respeito, respire fundo, agradeça “o toque” e bola pra frente! Sem gastar sua energia com algo que não vai trazer benefícios. 

3. CUIDADO COM O JULGAMENTO

Recentemente, ouvi uma frase que achei fantástica: “Rótulos são prisões, e o ser humano é mais complexo que qualquer rótulo”.

E, mesmo sem perceber, temos o péssimo hábito de rotular as pessoas, como “Fulana quer isso porque é ansiosa” ou “Fulano sempre critica tudo, nem acho válido esse pedido dele”. Assim, acabamos jogando a isenção no lixo e somos conduzidos pelos nossos julgamentos. 

A Heineken fez um experimento bem interessante e que demonstra que há muito mais pontos que nos unem do que nos dividem, mesmo entre duas pessoas com visões de mundo e experiências opostas.

E se, ultimamente, falamos tanto sobre a importância de times diversos, valorizar (real) as diferenças só nos ajuda a ir mais longe, e mais rápido. 

4. O JOGO DA CULPA NÃO NOS LEVA A LUGAR ALGUM

Sabe o famoso “A culpa não é minha”? Já sabemos que ele é uma perda de tempo, de energia e tira o foco da solução, certo?

Mesmo sabendo disso, já me peguei em situações em que eu pensava: “Poxa! Eu fiz exatamente como Fulano pediu, e agora ele fala que tá errado?”ou “Ela poderia ter sido mais clara no briefing, né?!”, sendo que isso é exatamente culpar o outro pelo fracasso da minha entrega. 

Sabe o que esse tipo de pensamento causa? Evita a conexão com o outro, mata qualquer tentativa de empatia e ainda tira o foco (mais uma vez) da solução.

Se fizermos um exercício diário, vamos perceber que o jogo da culpa sempre está ali, de alguma maneira, evitando conexões que nos levam a outro patamar nas relações. E eu te garanto, não há nada melhor para um ambiente de trabalho do que relações sinceras e leves. 

5. EXERCITE OS NÍVEIS DE ESCUTA (UMA GRANDE DIFICULDADE MINHA, INCLUSIVE!)

A gente vive numa correria sem fim, em que cada minuto importa e queremos cada vez mais hacks de produtividade para dar conta do recado, certo?

Mas é importante lembrar que: ouvir o outro não é perda de tempo, muito pelo contrário, pode resultar em um ganho absurdo de produtividade e de conhecimento. 

Há pelo menos quatro níveis de escuta: a primeira é a escuta primária; a segunda é a chamada “escuta factível”, em que você abre a mente para recepcionar novas informações; a terceira é a “escuta empática” — aqui quem abre é o coração e, com isso, geramos a tão necessária conexão; e, por fim, temos o quarto nível de escuta, que é a “escuta generativa”.

Essa última, como o nome já diz, é capaz de gerar algo em nós, é quando você tem vontade de fazer alguma coisa a partir do que ouviu. Aqui entra um fator de transformação!

E quando você sai de uma conversa que trouxe aprendizados práticos, você tem a sensação de que ganhou tempo; afinal, aquele aprendizado que viria no futuro já começa a fazer parte da sua vida hoje mesmo.