“Como é seu processo criativo? Eu crio por meia hora e passo duas com medo do fracasso.” Esse tweet é da @estarmorta, perfil da Bruna Maia, que é escritora, jornalista, pintora e roteirista. Logo que li, ressoou em mim e lembrei de uma situação que vivi em 2016. Foi a partir dessa experiência que comecei a pensar sobre ter uma travessia pessoal e profissional mais consciente
O gatilho
Eu tinha acabado de sair de um emprego CLT quando fui chamada para uma experiência como freela. Precisaria viajar mais de 500 km, entrevistar três pessoas e produzir uma matéria de 10.000 caracteres para uma revista bem legal. Fiquei muito animada e aceitei na hora! Deu tudo certo com as entrevistas, dormi em um hotel da cidade e voltei para casa no outro dia. A parte boa terminou aí. Nos dias seguintes, experimentei uma ansiedade que nunca tinha sentido. Fiquei completamente travada e não saí do lugar. O tempo todo eu pensava: por que eu peguei isso? Não vou dar conta de entregar!
Com muito custo e ajuda de uma amiga, concluí uma versão e enviei. No outro dia, recebi a matéria revisada pela editora com várias orientações. Antes mesmo que eu pudesse fazer as correções, ela me ligou e perguntou se eu estava disponível para cobrir as férias de uma pessoa de sua equipe. Aceitei, fiquei lá por quatro anos, aprendi bastante e vivi experiências muito legais!
O aprendizado durante esse tempo não foi exclusivamente técnico. Experimentar o medo, atravessá-lo e descobrir novos territórios iluminaram aspectos importantes. Primeiro, comecei a pensar sobre como nossas emoções revelam informações profundas sobre nós, que valem ser compreendidas. No meu caso, mergulhar na origem da minha ansiedade esclareceu muita coisa, e foi assim que comecei a assumir e a cuidar dos meus medos.
Também percebi que as experiências podem ser mais significativas e transformadoras quando se alinham não somente às nossas vontades mais aparentes, mas também às nossas necessidades e fragilidades que estão mais ao fundo. E que, para seguir nesse caminho, eu precisaria me conhecer e me respeitar mais, separando o que é meu do que vem de fora. Só assim eu poderia escolher um percurso realmente conectado comigo, que pudesse provocar os efeitos que eu desejo e preciso. Em meio a isso, refleti sobre alguns pontos.
Por que o medo do fracasso?
Diretamente, nunca senti nenhum ambiente de trabalho como nocivo. Minhas experiências profissionais, em geral, foram interessantes, ricas em aprendizados e me renderam boas relações. No entanto, avaliando com mais cuidado, consigo identificar situações que podem estimular esse estado de apreensão. E não é exatamente sobre uma empresa, é sobre um sistema e o fato de estarmos engrenados nele de modo automático.
Mercado concorrido
Desde que comecei a pensar em trabalhar, ouço que o mercado é concorrido e que é preciso estudar muito para se destacar. Não é uma mentira. Aliás, esse alerta nem é exclusivo da fase profissional. A escola também é um ambiente que gera competição e comparação. Nos dois campos, se você é “adequado” e tem bons resultados, talvez tenha uma “sobrevivência” mais tranquila. O fato de não ter esses indicadores bem pontuados pode ser um pouco angustiante. E é em torno disso que parece surgir uma atmosfera de profissional ideal. Se existe um ideal, ainda que subjetivo e invisível, a ideia de não corresponder a esse nível pode remeter ao fracasso.
Mas você pode se aperfeiçoar
Depois de terminar a faculdade e ter um cargo no mercado de trabalho, você sentiu vontade ou necessidade de fazer uma pós-graduação? E outros cursos mais livres? Essa atualização dos aprendizados pode realmente ser muito positiva, promover descobertas importantes e prazerosas e até determinar novas direções para a nossa rota profissional.
Por outro lado, se essa busca por conhecimento e qualificação não estiver conectada à nossa essência, a um objetivo mais interno e consciente, ela pode pode ser desnorteada, descartável e apenas ocupar um lugar de título.
Excesso de informação
Cada vez mais, somos bombardeados por informação. No ambiente corporativo e na sociedade, de modo geral, todo dia surgem novos termos, estudos, tendências, campos férteis que se apresentam como a sensação do momento. Acompanhar tudo isso realmente exige que a gente se mantenha antenado e ativo, continuamente. Entretanto, o excesso pode gerar sobrecargas. Existem até termos usados para nomear esse efeito, como “infotoxicação” e “síndrome da fadiga informativa”.
Com essa realidade, passa a ser ainda mais necessário impor um filtro pessoal e estratégico do que se escolhe consumir; analisar, refletir e desenhar o caminho por onde se quer passar, de um modo consciente e intencional. Não precisamos usar nosso tempo e nossa energia para ser uma esponja de tudo o que existe.
Calibrar o filtro
Você já abriu a sua caixa de e-mails e se deparou com 20 newsletters, de focos diferentes, todos interessantíssimos, e não conseguiu ler nenhuma? Já favoritou mensagens do WhatsApp para acessar depois? Fez inscrição em alguns cursos durante a pandemia? Recebeu dicas de amigos sobre conteúdos em que você deveria dar uma olhadinha? Teve uma lista de livros que só crescia? Perdeu o controle dos podcasts que gostaria de ouvir? Sentiu que precisava estudar mil coisas?
Os estímulos externos são muitos, e parece que isso não vai mudar. Não conseguir cumpri-los pode, às vezes, gerar uma sensação de frustração, atraso e insuficiência. Mas como lidar com isso?
Conhecer-se melhor: somos singulares, temos características, necessidades e vontades muito próprias. Mas quais são elas? Pensar sobre isso é importante. E aqui não estou falando do famoso propósito de vida, que, inclusive, gera angústia em muita gente. É sobre uma reflexão mais concreta e objetiva, que nos ajuda a entender o que se conecta melhor com a gente naquele momento.
Distanciar-se da comparação: se na escola a gente já perguntava “Quanto você tirou na prova?”, e na adolescência a gente ouvia “Fulano tem um emprego ótimo, viajou para outro país e tudo”, como conseguiremos nos desprender completamente dessa prática de comparação? Não é fácil. Mas talvez um exercício seja apreciar as jornadas dos outros tendo em mente que você é outra pessoa e que está construindo a sua própria. Afinal, nem tudo o que é bom e estratégico para o outro é também para nós.
Criar um plano: com tanta variedade de coisas para fazer, aprender e descobrir, podemos pinçar aquilo que mais nos encanta e aguça a nossa curiosidade, e organizar, de forma estratégica, o nosso percurso. Assim, os conhecimentos podem ressoar na gente com mais significado e efeito.
Resgatar a essência: É normal querer saber sobre o outro e soltar a pergunta “O que você faz?”. Nossa identificação com o trabalho é tamanha, que assim costuma ser o início das apresentações entre as pessoas. Mas podemos mudar a pergunta para “O que você gosta de fazer?”. E ainda extrapolar o momento atual e pensar um pouco mais sobre quem a gente já foi na infância e na adolescência, por exemplo.
O que a gente gostava de fazer quando ainda não trabalhava? Andar de patins? Ver desenho? Conversar com a nossa mãe enquanto ela preparava o almoço? Passar as férias na roça com os avós? Rebater bola?Pode ser muito válido lembrar dos nossos afetos do passado para desvendar quais são os de agora. E pensar, também, que nossas atividades e aprendizados não precisam estar relacionados somente ao mundo profissional.
Ser um principiante: sabe aquela postura infantil, curiosa, que vem esvaziada, pronta para receber novas informações e se encantar com elas? Pois isso é algo que não precisamos abandonar. Praticar o desapego às crenças e aos moldes e dar abertura às experimentações pode nos revigorar e nutrir nossa autenticidade, muitas vezes anulada pela uniformização dos ambientes aos quais vamos nos inserindo.
Talvez é por aí que mora a minha angústia, com o desafio profissional mais ansioso que já vivi, e a de muita gente que já sentiu o mesmo em algum momento: no conflito entre a padronização das pessoas, a necessidade de ser criativo e relevante e a autenticidade de cada um. Meu medo e a minha ansiedade continuam presentes sempre que lido com o desconhecido, e acho que nunca vai ser diferente. Mas hoje eu sei que é importante para mim descobrir o que existe nesse caminho e experimentar a transformação de chegar ao outro lado. E a sua travessia, como tem sido?
Ah! Já ia me esquecendo… Separei uns conteúdos que me inspiraram a construir o texto. Vou colocar aqui. Mas, calma, talvez você não precise consumir esse conteúdo porque já tem outros mais legais no seu plano 🙂
TED da Elizabeth Lesser: Diga suas verdades e busque-as nos outros
Ebook Lifelong Learning da Sputinik
Newsletter ‘Por que começar o ano como um principiante?’ da CoolBox
Estudo Espiral da Verdade, da Consumoteca
Texto If You’re Not Outside Your Comfort Zone, You Won’t Learn Anything, do Andy Molinsky