Língua Portuguesa era minha disciplina favorita nos tempos de escola. Até hoje me lembro de que, na quinta série, ganhei uma “medalha de ouro” (um latão pintado de dourado, comprado na lojinha de R$ 1,99) do professor de Português, por ter tirado “A” em todas as provas do ano letivo, o que compensava um pouco os “B-” em Matemática. Cresci pensando nas milhares de regras gramaticais apenas como ferramentas necessárias para aperfeiçoar textos e vivi um pouco a ilusão de que todos as enxergavam dessa forma.

Foi só trabalhando como revisora que notei a aversão – às vezes muito violenta – das pessoas à gramática. Uma colega de trabalho, do mercado editorial, me confessou seu desejo de nunca mais acentuar nenhuma palavra, porque “acentuação é uma coisa inútil e cada um deveria escrever como quiser”, e um amigo (escritor!) disse que, para ele, qualquer termo gramatical além de “adjetivo”, “sinônimo” e “antônimo” é como mandarim aos seus ouvidos e que ele pretende passar a vida escrevendo sem aprender nada além do que já sabe.

Principalmente com o avanço da tecnologia, a gramática da língua portuguesa tem enfrentado grandes desafios para permanecer relevante no dia a dia dos brasileiros, na vida pessoal e na profissional. O revisor de texto já é considerado “descartável” em várias áreas, até mesmo em certas editoras. Em um século em que todos têm pouco tempo e muito trabalho, conteúdo é colocado acima da forma: para muita gente, o que se diz é muito mais importante do que como se diz. Fala e escrita são mundos diferentes, mas as “regras” da fala prevalecem cada vez mais, e o padrão gramatical é deixado de lado, taxado de esnobe, elitista, brega, algo a ser memorizado apenas para conseguir diploma.

Mas seria esse um processo natural, inevitável, por causa da modernização, e talvez inofensivo, ou um fenômeno prejudicial aos falantes? E como pode afetar você profissionalmente?

Por que, afinal, a gramática é importante?

A (linda) diversidade da língua portuguesa

Primeiramente, é importante a gente contextualizar um pouco nosso maravilhoso português. O Brasil é o país com o quinto maior território do mundo e, é claro, o que tem o maior número de falantes da língua portuguesa. Nada mais natural do que o surgimento, ao longo dos anos, de diversas variações, com inúmeros sotaques, dialetos e diferentes vocabulários, de Norte a Sul. Os mineiros tendem a abreviar várias palavras, os nordestinos geralmente apresentam vogais abertas e os sulistas podem ter a “fala cantada” etc. Sexo, idade e classe social são também fatores que distinguem nossa fala, além de contexto social: eu falo de uma maneira em uma entrevista de emprego e de outra em uma conversa com amigos.

Nossa diversidade linguística deve ser apreciada e defendida – é uma coisa linda! Diferentes sotaques e dialetos não é algo que nos separa como nação, mas que traz mais riqueza e complexidade ao nosso idioma. Infelizmente, o preconceito linguístico existe e é forte no Brasil; é comum vermos alguém sendo desprezado apenas por seu jeito de falar. Pessoas de classes sociais mais baixas ou de regiões específicas do país acabam sendo as principais vítimas.

Nada de praticar o preconceito linguístico! Você deve respeitar a fala das pessoas, assim como também merece respeito.

Pensando em todas as nossas diferenças, fica fácil entender que a gramática vem para padronizar tudo isso, né? Por isso ela é tão necessária, por isso é importante. No caso da comunicação da empresa com o cliente, a gramática é essencial não apenas para demonstrar o profissionalismo e a competência da instituição, mas para que o consumidor compreenda exatamente suas ofertas, suas informações, seus produtos.

Alguns dos desafios atuais da gramática (e de quem tenta empregá-la)

Desconsiderar a gramática traz vários prejuízos, mas vamos abordar apenas alguns aspectos. Não é novidade para ninguém que a internet é o centro de todas as transgressões gramaticais (assim, bem dramático mesmo) possíveis. Redes sociais, aplicativos e afins trouxeram imediatismo à comunicação escrita. Há poucos anos, isso era algo impensável. Não é difícil notar que, por isso, a “linguagem de internet”, com seus atalhos e abreviações, é cada vez mais próxima da fala.

No ranking de 2019, o Brasil ficou em terceiro lugar entre os países em que as pessoas gastam mais tempo online, com a inacreditável média de 3:45h por dia em aplicativos. Então virou zona de conforto: internet é o lugar onde não há regras, e este pensamento acaba, por vezes, tomando espaço também dentro das empresas, na comunicação em suas redes sociais.

Mas se liga nas dicas para manter, sempre, uma comunicação limpa e eficiente:

  • Equilíbrio e adaptação são as chaves para uma comunicação efetiva. Formalidade + redes sociais, por exemplo, não é uma combinação tão boa quanto formalidade + texto de contrato. Adeque sua linguagem de acordo com a situação e o lugar. Não tente manter um único estilo/tom de linguagem em todos os tipos de materiais.
  • Muito cuidado com a exclusão de grupos. Se minha marca tem, como público-alvo, pessoas de 30 a 60 anos, mas mantenho sempre uma linguagem muito jovial, estou afastando as pessoas mais velhas. Se quero visibilidade do Brasil inteiro, mas mantenho um vocabulário regional, também estou limitando meu alcance.
  • Linguagem informal não significa, necessariamente, desconsiderar a norma culta! Ambas podem e devem caminhar juntas – e esse é o caminho mais seguro para não passar a impressão de desleixo com a língua e falta de profissionalismo.
  • Se há um erro gramatical básico no primeiro material publicitário que seu potencial cliente vê, qual é a ideia que você passa para ele? Pode transmitir a imagem de uma empresa que não se importa com os detalhes, que não é cuidadosa o bastante, que não busca a excelência.

Outro tópico que não recebe a devida atenção é o dos estrangeirismos, que podem ajudar ou atrapalhar. A incorporação cada vez mais frequente do inglês ao português é uma herança da internet e do mundo dos negócios. Com a globalização, é inevitável e natural a adição de termos estrangeiros ao português. O problema acontece quando tais termos substituem palavras do nosso idioma sem necessidade, fazendo até com que nos esqueçamos do equivalente em português (sim, isso acontece).

Estes são alguns dos problemas que os estrangeirismos podem trazer:

  • No mundo corporativo, às vezes, o vasto vocabulário inglês substituindo palavras portuguesas pode demonstrar um discurso vazio de modernização, como se adaptar novos termos e conceitos à nossa língua fosse impossível.
  • Aos poucos, são reforçadas nossas ideias distorcidas de que “coisas de fora” são superiores, mais interessantes, mais bonitas e atraentes, porque “a língua portuguesa não é melódica o bastante”. Assim, para as pessoas, budget é melhor que orçamento, deadline é melhor que prazo, delivery é melhor que entrega etc.
  • Essa é uma questão mais de vocabulário do que gramatical, porém,  outras influências do inglês têm moldado nossa gramática propriamente, o que é uma questão mais relevante. Por exemplo: é cada vez mais clara nossa tendência de terminar frases em preposições, o que acontece na língua inglesa, não portuguesa, como: “tenho um assunto importante para falar sobre”.
  • Lembre-se sempre de que o excesso é que traz problemas, dando margem a confusões na comunicação interna e externa, podendo até afastar possíveis clientes que não têm a mesma familiaridade com a língua inglesa e, assim, não se identificam com a marca. Diferenças de classes sociais e idade podem ter muita relevância nesses casos.

É claro que, principalmente no cotidiano de empresas multinacionais, estrangeirismos já são muito naturais e nem sempre substituíveis por palavras portuguesas. Mas esse é um fenômeno crescente e que, até o momento, apresenta poucos limites e pode criar ambientes em que se fala muito e diz pouco. Se essa incorporação for utilizada com equilíbrio, demonstra um ambiente de trabalho contemporâneo, que anda lado a lado com a modernização.

Uma questão maior do que se imagina…

Os exemplos citados são apenas alguns aspectos de um assunto muito amplo.

As desvantagens da falta de conhecimento de gramática são muitas; sem entender suas funções, não podemos criar frases claras, e isso dá margem aos milhares de textos confusos e ambíguos que vemos, todos os anos, na imprensa, na literatura, nas redes sociais e no comércio, queimando a imagem de marcas e, como resultado, afastando clientes; causando situações constrangedoras; gerando desinformação e, consequentemente, fake news, já que problemas gramaticais abrem portas para interpretações equivocadas; tirando um bem valioso das pessoas, que é o tempo, uma vez que é necessário um esforço extra para compreender mensagens mal escritas; e, enfim, demonstrando desleixo com o básico: a palavra, nossa ferramenta de trabalho.

Com a instabilidade gramatical nos meios de comunicação, na internet, no cotidiano das pessoas, torna-se um desafio escrever dentro do padrão, por não existir um exercício diário. Assim, várias situações, como escrever um artigo, fazer a redação do Enem, participar de um processo seletivo, fazer um concurso público ou mesmo ter uma comunicação eficiente dentro e fora de uma empresa tornam-se um pesadelo para muitas pessoas, aumentando a sensação de distanciamento com as regras, como se fossem algo impossível de ser aprendido – ou pior, algo inútil.

A “norma culta” do português brasileiro está bem distante da perfeição, e minha intenção não é colocá-la em um pedestal. Alguns tópicos sempre apresentaram divergência entre os gramáticos, exigindo revisões que nunca acontecem; o ensino nas escolas pode não ter a abordagem ideal para encorajar o aluno a aprender; e o “novo” acordo ortográfico (que, na realidade, foi aprovado há três décadas) tem falhas e tem sido criticado por especialistas durantes todos estes anos. Mas talvez possamos enxergar essas mesmas falhas como o retrato da nossa (frágil) relação com a língua portuguesa.

Acredito que entender a função da gramática é o principal passo para que a gente escreva (e até fale) de modo mais claro e eficiente. Forma e conteúdo caminham juntos sim! Sem a forma adequada, o que você intenciona dizer vai ficar perdido. Dominar a gramática de uma língua significa compreender com facilidade um texto e ter a habilidade de passar para o papel exatamente o que se intenciona transmitir: persuasão, charme, senso de urgência, entusiasmo, profissionalismo e confiança etc.

Saber gramática significa fazer com que a língua trabalhe em prol do que se deseja.

Referência:

VALENTE, J. Brasil é o 3º país em que pessoas passam mais tempo em aplicativos. Agência Brasil. 2020. Disponível em: <https://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2020-01/brasil-e-o-3o-pais-em-que-pessoas-passam-mais-tempo-em-aplicativos1>. Acesso em: 30 out. 2020.